domingo, 9 de junho de 2013

Leitura e Escrita Segundo Paulo Freire

Paulo Freire desenvolveu novo conceito de leitura

e escrita; leia trecho.

Folha Online
"Ler, segundo Freire, não é caminhar sobre as letras, mas interpretar o mundo e poder lançar sua palavra sobre ele, interferir no mundo pela ação", diz o professor e vice-presidente da TV Cultura Fernando José de Almeida, em seu recente livro "Folha Explica: Paulo Freire".
Divulgação


De forma clara e objetiva, o título analisa a vida e a obra desse que é um dos maiores educadores do Brasil, mostra uma reflexão sobre a "pedagogia do oprimido", criada por Freire, e deixa clara a importância mundial de seus projetos político-pedagógicos.
Também destina um capítulo especial com cronologia e as principais obras do educador --que tem obras traduzidas para mais de 20 línguas.
Conheça, no trecho abaixo, os pensamentos de Paulo Freire e seu programa de alfabetização que marcou as quatro últimas décadas do século 20, e que interferiu no mundo da educação em todos os continentes.
Ler o mundo para se libertar
O método criado por Paulo Freire para alfabetização de adultos foi, sem dúvida, sua maior contribuição à educação. Não apenas pela capacidade de alfabetizar em 40 horas. Seu sucesso está marcado pelo fato de ter desenvolvido um novo conceito de leitura - e com ele um novo conceito de escrita. Ler, segundo Freire, não é caminhar sobre as letras, mas interpretar o mundo e poder lançar sua palavra sobre ele, interferir no mundo pela ação. Ler é tomar consciência. A leitura é antes de tudo uma interpretação do mundo em que se vive. Mas não só ler. É também representá-lo pela linguagem escrita. Falar sobre ele, interpretá-lo, escrevê-lo. Ler e escrever, dentro desta perspectiva, é também libertar-se. Leitura e escrita como prática de liberdade.
A escrita é também objeto do pensamento e da vida. O mundo ao sul da linha do Equador é marcado pela oralidade; aqui, a escrita e a leitura são um distintivo de poder. Portanto, a criação de uma política de desenvolvimento de participação do mundo da leitura e da escrita significa redimir as massas excluídas de 500 anos de história. A leitura do mundo antecede a leitura das letras. A leitura assim é um fato político cultural de participação. Desse ponto de vista, um adulto ler frases como "vovó viu a uva" deixou de ser um fato educacional pacífico e virou um absurdo político, já que a frase não tem nenhum significado para o adulto que se alfabetiza. É um desrespeito a ele e o esvazia de sua dimensão cidadã.
Há 60 anos10, havia ainda 50% de analfabetos no país - por absoluta opção política. Dirigentes, classes médias e baixas, clero, latifundiários e minifundiários, políticos, todos achavam que os analfabetos eram uma espécie de praga, uma mancha na cultura nacional. Mais uma vez, a vítima era a culpada. Alguns viam os analfabetos como uma espécie que nasce por acaso e faz parte de um sistema ecológico de equilíbrio social. De lá para cá, houve progresso.
Em 2008, o estado de São Paulo chega ao menor número relativo de analfabetos na sua história: 4%. Pela primeira vez na história, o número de analfabetos maiores de 15 anos começa a diminuir a partir de 2002, chegando a 10 milhões em todo o país. Isso acontece pelo simples fato de que não geramos novos analfabetos, pois todas as crianças estão na escola. Mas o estoque de analfabetos se mantém e este número só abaixará pela morte deles!
Não acabamos ainda com o analfabetismo, embora estejamos acabando com os analfabetos. Todo o trabalho de Paulo Freire, todos os anos de exílio, todos os festejos na sua volta, não ajudaram o país a fazer a lição: dar direito à leitura e à escrita a seus cidadãos. Todos.
Elementos do seu método
O método construído por Paulo Freire a partir de sua prática pedagógica, em articulação com os carentes sociais e culturais de seu estado de Pernambuco, gerou um programa de alfabetização que marcou as quatro últimas décadas do século 20. Pode-se dizer que esse método interferiu no mundo da educação em todos os continentes. Partindo de "temas geradores", o método propiciava uma reflexão do alfabetizando sobre os seus próprios problemas - o que gerava a necessidade de posicionar-se sobre tais questões e de expressá-las em formas próprias de comunicação. Com o método de Freire, os adultos não se sentiam alheios aos temas de sua escrita e a leitura virava um aprofundamento do que já vinham vivendo, em suas experiências como trabalhadores e cidadãos.
Se os temas geradores fossem, digamos, terra, latifúndio, favela, enxada, foice, casa, eram essas as palavras a serem lidas e escritas, com seus significados debatidos. Toda a gama de desmembramento de outras palavras era oriunda dessas sílabas componentes das palavras--temas. FA-VE-LA pode gerar: ve-la, fa-la, la-ve, lu-va, fa-va etc., assim como outras inúmeras composições com seus diversos grupos silábicos, num imenso repertório de possibilidades. Com isso, os jovens ou adultos constroem palavras nascidas de seu repertório "gerador"; e sendo elas debatidas, escritas e faladas, podem transformar as suas realidades pela práxis.
Os problemas de alfabetização não pararam aí: da perspectiva do método, o desafio contemporâneo é continuar a construir, com os leitores-aprendizes, a problematização sobre os temas geradores em cada nova realidade - como no mundo digital, especialmente. Tornado realidade pela reorganização do capitalismo volátil, o mundo digital deve ser também objeto de um novo processo da alfabetização. O mundo digital em nada é menos opressor ou menos desumanizador que o mundo do latifúndio ou da favela. São desafios mais sutis e mais encobertos em aparências de globalização democrática.
Como Paulo Freire pode ser chamado para ajudar a desenhar um método de alfabetização crítico-digital? Para estar neste mundo e poder participar de suas potencialidades é preciso dominá-lo. Este domínio não se dará pelo controle simples de seus manuais de instrução ou pela manipulação de seus teclados e softwares - "caminhar sobre as letras", como dizia Freire. Tal participação demanda um aguçamento do senso crítico, acompanhando a discussão de seus problemas e de suas perspectivas. Este domínio se desenvolve também com a compreensão de seus instrumentais: navegar na internet, trabalhar com um processador para escrever um texto, poder enviar uma mensagem para o outro lado da cidade ou do mundo, criar uma agência de notícias ou editar jornais comunitários, divulgar seu currículo na rede: tudo isso pode ser um caminho freireano de uso crítico e político.
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"Folha Explica: Paulo Freire"
Autor: Fernando José de Almeida
Editora: Publifolha
Folha de São Paulo -  Domingo 9 de junho de 2013-06-09

Um comentário:

  1. Concordo com o que diz PAULO Freire,não basta só ler temos que saber interpretar,para poder sabermos viver. Ele usava um método que não excluía os que não sabiam ler, pelo contrário ele ajudava essas pessoas a vencerem suas dificuldades.Sempre trabalhar a realidade ajuda muito na leitura e escrita.

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